Bandarilheiro (ou Peão de Brega)
OS BANDARILHEIROS EM PORTUGAL Francisco Morgado
Jornalista taurino Enquadramento histórico
Este é o primeiro facto transcendental que viria a orientar o futuro do toureio a pé em Portugal, já que nós mostrámos uma submissão evidente às orientações do pontífice, enquanto Espanha ignorou as ordens do Papa, continuando a lidar toiros em hastes limpas. Esta grande diferença acaba por prevalecer, dando um carácter distinto às corridas portuguesas e viria – já em pleno século XX – a culminar com a proibição da morte dos toiros na arena. O segundo facto histórico que determina a divergência definitiva com Espanha no que respeita aos formatos das corridas de toiros fica a dever-se à circunstância de os Filipes, que sendo embora legítimos reis de Espanha e Portugal durante sessenta anos, aos olhos do povo sempre foram considerados como reis invasores. Acontece em 1640 a restauração da monarquia portuguesa com a chegada ao trono da casa de Bragança. Regressam os espanhóis aos seus domínios, mas fica no ar uma obsessão para diferenciar o carácter, o idioma e sobretudo os usos e costumes.
Só pelo ano de 1745 – reinava então D. João V – volta a tolerância para se lidarem toiros desembolados ou em pontas, facto que, apesar de tudo, não deixa logo de ser apontado como uma indubitável influência de Castela. Com a chegada ao trono de D. José I continuam os fidalgos e os aristocratas qualificados a ser os donos da festa, mas apareceram também as primeiras intervenções dos“capinhas” (homens a pé com capas que não eram nobres) apenas como “auxiliadores” dos cavaleiros. As suas intervenções eram feitas de um modo um tanto anárquico, chegando até a resvalar para o toureio cómico, atuando de intervaleiros no final das lides a cavalo, para entreter os públicos. Saltos sobre as reses, sortes a corpo limpo e sobretudo bandarilhas, onde os lusitanos se evidenciaram bastante, acrescentando-lhes pormenores artísticos que os seus colegas espanhóis não hesitaram em adotar. Mateus Falcão, Manuel Calabaça, José Cadete, João do Rio, Joaquim Peixinho são nomes que se destacam entre os demais, sempre em busca de um aperfeiçoamento permanente. Mas a existência do mesmo toiro corrido várias vezes nas nossas praças afastava os nossos valorosos bandarilheiros da evolução técnica e artística, já que as sortes, por conhecimento dos animais, entravam sempre no campo do recurso. O valor, esse ficava e era reconhecido até pelos matadores espanhóis que nos visitavam e que louvavam o estoicismo dos lusitanos, chegando a levar mesmo alguns para tourearem com eles em Espanha, como foi o caso de Manuel dos Santos, que António Fuentes distinguiu, chegando a bandarilhar com ele um toiro em Sevilha, na feira de 1905. O mesmo aconteceu ao moitense Daniel do Nascimento, chamado a integrar a equipa do grande matador espanhol Joselito.
Agostinho Coelho começa a fazer-se notado, mas logo o excede Júlio Procópio, que chega a alternar no Campo Pequeno com novilheiros espanhóis. Augusto Gomes Júnior “comete a proeza” de ir a Pamplona à frente da sua quadrilha matar toiros, mas as dificuldades encontradas fazem-no vacilar entre romper exclusivamente uma dura carreira de novilheiro ou aquartelar-se no plantel dos bandarilheiros. A frequência com que os matadores espanhóis e mexicanos vinham atuar nas praças nacionais veio a suscitar entre os jovens aficionados portugueses a necessidade de seguirem profissionalmente a linha do toureio a pé. E embora a ideia inicial fosse sempre a de vir a alcançar o escalão maior – matador de toiros – mais uma vez se impôs a proibição da corrida integral entre nós para condicionar o natural desenvolvimento dessas aspirações. Note-se que de entre as muitas centenas de profissionais portugueses que se propuseram a entrar no escalão maior, até à presente data apenas quarenta e dois logrou alcançar esse objetivo. As escolas de toureio em Portugal contribuíram – e muito – para desbravar e aperfeiçoar a técnica necessária para poder pisar uma arena e enfrentar toiros de raça brava. Golegã, Vila Franca, Moita, Coruche e até Santarém tiveram essas escolas de onde saíram nomes que vieram a ser importantes entre os bandarilheiros nacionais.
Tradicionalmente o seu fato de tourear tem enfeites em prata, o que marca a distinção para os matadores ou novilheiros, que os usam em ouro. Contudo a tendência da moda, levou a substituir a prata pelo fio preto, sendo também corrente que o ouro seja substituído pelo mesmo material nos matadores, deixando assim de ser visualmente diferente na arena que papel desempenha cada um. O bandarilheiro utiliza apenas o capote em toda a função para lidar o toiro, apenas o largando quando vai colocar bandarilhas, cumprindo assim o segundo tércio da lide em substituição do seu matador, que só o fará se assim entender.
Tempos houve em que os bandarilheiros tinham exclusivamente esta profissão, mas as atuais exigências sociais e económicas levam a que os atuais profissionais do toureio tenham uma segunda ocupação (frequentemente é mesmo a primeira) que interrompem durante o tempo das corridas.
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